Uma Trajetória Médica
Neste final de semana, tive uma grata surpresa. Encontrei, num envelope bem antigo, alguns documentos importantes que há tempos procurava. Como tenho a mania de guardá-los e esquecer onde os guardei, já estava dando como certo a perda dos mesmos. Eis que eles apareceram! Dentre os documentos, estava lá o modelo antigo da carteirinha profissional de médico. Nem sei se, atualmente, tais carteiras são entregues aos futuros médicos. Mas, no meu caso, há quase 15 anos atrás, ela foi entregue a mim.
Foi o meu primeiro documento médico (em anexo). Com ele, borbulhavam em mim um bocado de sonhos e de projetos. Eu, um jovem inexperiente e oriundo de uma família humilde, seria, após aquele rito, médico com todos os direitos e deveres que a profissão me ofertaria. Iniciar-se-ia uma jornada. E que jornada! Por ser humilde, de uma hora para outra, misturaram-se, no início da profissão, as necessidades de trabalhar, ter renda financeira, estudar e sonhar com um possível crescimento. Assim, eu andei e posso dizer: foi e continua sendo uma grande andança. O caminho tem na sua composição muitos passos e destaco os seguintes: trabalho no PSF, residência médica, especializações, mestrado, doutorado, serviço público e clínica particular. Ainda continuo dando vários passos até por que este caminhar não tem fim. Todo médico caminha sem parar. Nestes caminhos e neste caminhar, eu vivi em três cidades (Fortaleza, Ribeirão Preto e por último em Brasília). Nestes três locais, convivi com muitos pacientes, escutei muitos relatos, acolhi várias dores, participei de várias histórias tristes e bonitas e compartilhei situações doídas. Depois disto, mantive o ato de caminhar e continuei caminhando. Nesta trajetória, eu confesso que: eu sofri, eu sorri, eu chorei, eu me decepcionei, eu me frustrei, eu perdi, eu venci, eu cresci, eu lamentei e eu não desisti.
Quem me conhece, sabe que sou um grande crítico deste modelo de medicina que se afasta do paciente e que, por seguinte, dá espaço para uma série de outras relações que acabam por enfraquecer a relação fundamental da medicina (a relação médico-paciente). Nunca me decepcionei com a medicina em si, mas, quando falo desta medicina, deixo claro que nunca me decepcionei, nestes 15 anos, com a medicina ética e bondosa. Nunca me decepcionei com esta medicina que usa de todos os princípios humanos, científicos e tecnológicos para fazer o melhor respeitando sempre, independente de tudo, o paciente que se entrega ao tratamento numa demonstração nobre de respeito, deferência e confiança. Se o respeito e a confiança estão se esvaindo nesta relação, certamente, muitos fatores cooperaram para tal e não terei tempo para abordá-los neste artigo autobiográfico. Mas seria uma ótima reflexão.
Portanto, na medicina, alguns personagens e alguns eventos com falhas éticas e com ausência de humanismo me decepcionam, mas a medicina nunca me decepcionou. Eu e os demais colegas médicos precisamos agir como protagonistas para resgatar a medicina, mesmo que para isto precisemos lutar contra colegas médicos não éticos, o sistema e algumas instâncias governamentais.
A beleza da medicina continua vívida e pulsante em mim, embora alguns ambientes médicos, preenchidos pela arrogância, pouca ética e postura meramente comercial, faça com que cada vez mais me isole. Inclusive, o ato de me isolar um pouco acaba por me estimular a degustar cada vez mais das ciências e conhecimentos humanos, tais como: filosofia e psicanálise. Independente disto, a chama médica ainda é muito marcante nos meus passos e, ao ver o documento anexado nesta postagem, resta-me ficar muito feliz com a minha escolha – medicina – e com a minha profissão de médico.
Régis Eric Maia Barros
Dr. Régis Eric Maia Barros
Médico Psiquiatra
Mestre e Doutor em Saúde Mental pela FMRP – USP
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